No dia 23 de novembro de 2015 foi celebrado em sessão solene do Departamento de Engenharia da Universidade Federal de Lavras, os 40 anos do curso de graduação e 25 de pós-graduação da Engenharia Agrícola. Foram homenageados vários professores e dentre eles foi incluído o nosso nome, na categoria de “Idealizador do Curso de Engenharia Agrícola”. Assim escreveu o jornalista Mateus Lima, da Assessoria de Comunicação da Universidade:
“Comet: evento celebra 40 anos de graduação e 25 anos da pós-graduação em Engenharia Agrícola.
Uma significativa parte da história da Universidade Federal de Lavras (UFLA) foi relembrada na noite de 23/11, na abertura da I Semana de Engenharia e do I Congresso Mineiro de Engenharia e Tecnologia. Os eventos prestaram homenagem aos 40 anos do curso de graduação e aos 25 anos do programa de pós-graduação em Engenharia Agrícola.
O presidente do evento, professor Ednilton Tavares de Andrade, fez o primeiro pronunciamento, trazendo números da I Semana de Engenharia: a programação será ministrada por mais de 80 profissionais; há 20 palestras; serão apresentados 180 artigos científicos; e há mais de 600 participantes inscritos. Ednilton também destacou a interdisciplinaridade da programação. Em seguida, a inspetora chefe do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Minas Gerais (Crea-MG), professora Andréa Aparecida Ribeiro Corrêa, falou sobre os recentes avanços do Conselho.
Os professores Paulo Roberto da Silva e Jair Vieira (diretor da ESAL, na época) integraram a mesa de abertura como idealizadores do curso de Engenharia Agrícola. Eles falaram sobre os desafios na implantação, mas também no pioneirismo da Universidade: como o curso de Agronomia se preocupa mais com a fitotecnia, era necessária uma graduação que abordasse a engenharia no campo, englobando aspectos como a mecanização e a eletrificação. E com essa preocupação o curso foi criado na UFLA, sendo o terceiro no Brasil.
O chefe do Departamento de Engenharia (DEG), professor Carlos Eduardo Silva Volpato, observou que o evento reuniu cinco gerações de professores e enalteceu o empenho de cada um deles para que a Instituição alcançasse reconhecimento nesta área. Também participaram da mesa de abertura o reitor em exercício, professor Alcides Moino Júnior, o professor Alysson Paulinelli, ex-diretor da ESAL e a professora Mirléia Aparecida de Carvalho, coordenadora do curso de Engenharia Agrícola.
Após a abertura, a professora Mirléia conduziu uma série de homenagens à primeira turma do curso, aos atuais e ex-coordenadores do DEG e do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Agrícola e aos técnicos administrativos que participaram da consolidação dos cursos”.
Com muita honra recebemos, juntamente com o Prof. Jair Vieira, as homenagens como idealizadores do curso de graduação de Engenharia Agrícola, num trabalho que demandou esforços de toda a equipe do antigo Departamento de Engenharia Rural. O curso recém-criado pelo MEC e com apenas dois deles em funcionamento, em Pelotas-RS e Viçosa-MG, apenas um ano d funcionamento. Por se tratar de nova profissão no país, a sua criação, com projeto curricular e detalhamentos de laboratórios específicos para as diversas áreas como eletrificação rural, motores e máquinas, mecanização agrícola, irrigação e drenagem, construções rurais e armazenamento, foi bastante complexa e exigiu muitas consultas a centros especializados. Sobre o projeto do curso e as inúmeras reuniões no MEC escrevemos alguns artigos já publicados. Por isso falaremos hoje sobre novo assunto ligado às engenharias no âmbito agrícola.
Durante o evento de abertura das comemorações dos 40 anos da Engenharia Agrícola da UFLA nos deparamos, ali no Salão de Convenções, com uma bandeira que ostenta um brasão, bem característico, criado em 1937. Fizemos questão de tomar uma foto ao lado do chefe do Departamento de Engenharia, empunhando a bandeira do histórico brasão com a inscrição “Ciência e Prática”. E coloquem história nesse brasão com o sugestivo e significativo lema. Vejam o que encontrei nos EUA, quando lá estava gerindo o acordo de cooperação na área de educação agrícola superior. Trata-se de uma história inédita sobre a origem do brasão:
O brasão oficial da ESAL/UFLA foi adotado em 1937, quando foi mudado o nome de Escola Agrícola para Escola Superior de Agricultura de Lavras. Dei-me ao trabalho de pesquisar o assunto, pois em 1978, quando trabalhava nos EUA, como gerente do Brazil/MEC- MSU Project, com a responsabilidade de gerenciar os 250 professores brasileiros da área de ciências agrárias em 32 universidades norte americanas que os acolheram para programas de doutorado, encontrei o mesmo brasão na Iowa State University, ou mais precisamente na fachada de um dos prédios do College of Agriculture and Mechanic Arts, onde alguns de nossos professores estavam cursando PhD. Não acreditei no que vi, pois nunca alguém escrevera sobre aquela semelhança. Fiquei admirado pela total semelhança entre ambos, o da ESAL e de Iowa. Ao retornar ao Brasil procurei pesquisar um pouco mais sobre a questão. Tudo começou com um dirigente da velha Escola Agrícola de Lavras, Mr. Wheelock.
John Henry Wheelock (1898/Colfax, Iowa – 1961/Campinas, SP) dirigiu a Escola pela primeira vez de 1927 a 1935. Reassumiu o cargo de diretor em 1945, seguindo-se ainda outros dois períodos, de 1953 a 1956 e 1958 a 1959. Wheelock cursou agronomia em seu estado natal, no Iowa State College of Agriculture and Mechanic Arts. Chegou a Lavras no ano de 1922, ainda jovem, com apenas 24 anos de idade. Inicialmente atuou como professor e mais tarde, como diretor. Neste cargo sucedeu a Benjamin Harris Hunnicut – o fundador. O estimado e respeitado Wheelock, ou Sô Mister, como era carinhosamente chamado, foi apelidado por Bi Moreira de “o Consolidador” (Gammon, o Idealizador; Hunnicut o Fundador; Wheelock o Consolidador e Alysson Paulinelli o Dinamizador).
Em 1936 sucedeu-lhe Benedito de Paiva na direção da então Escola Agrícola de Lavras e em 1937 houve a mudança do nome da instituição de ensino para Escola Superior de Agricultura de Lavras. Certamente, em suas inúmeras viagens aos EUA conseguira autorização da Iowa State College of Agriculture, onde se graduara, para usar o mesmo brasão-símbolo daquele College, para também usá-lo como emblema de sua querida Escola Agrícola de Lavras que tivera seu nome recém-modificado. Assim, logo que houve a mudança de nome para Escola Superior de Agricultura de Lavras, Mr Wheelock tratou de adaptar aquele belo brasão para as condições de um país tropical. Refiro-me a país tropical porque aqui não se produzia trigo e sim café. Portanto, Mr. Wheelock sabiamente trocou os dois ramos de trigo do brasão do State College of Agriculture de Iowa, estado norte americano produtor desse grão, por dois ramos de café entrelaçados e com seus grãos bem vermelhos. Se atentarem bem para o brasão de Iowa notarão que os dizeres Science With Practice, não foi traduzido com fidelidade, pois foi adaptado para Ciência e Prática no brasão da ESAL, conforme se vê nas reproduções fotográficas, de Iowa e da ESAL/UFLA, que ilustram esta crônica.
A propósito , o slogan “Science With Practice” representa a filosofia, o pensar e o objetivo principal do Morril Act de 1862 que criou os famosos Land Grant Collegesnos EUA. Por essa Lei o governo norte-americano financiava escolas, doando terras para o ensino prático de agricultura. O lema dessas escolas era exatamente aquele que justificou a criação da lei (Morril Act), o ensino das ciências associado à práticavisando a melhor produção de alimentos. Para tanto o governo daquele país criou e associou às escolas as Estações Experimentais Agrícolas (1890). Um pouco mais tarde incluiu outra importantíssima linha de ação, a divulgação desses conhecimentos aos agricultores, ou seja, a Extensão Rural. Assim fechou-se a trilogia até hoje usada pelas universidades: Ensino, Pesquisa e Extensão.
A ESAL, segundo pesquisas que realizei, foi a primeira Escola do Brasil e da América do Sul a implantar um ensino nos moldes do Land Grant College, associando-se ao ensino propriamente dito a Pesquisa e a Extensão Rural. As outras três primeiras escolas de agronomia, a de Cruz das Almas (1877), hoje Universidade Federal do Recôncavo Baiano, a Elizeu Maciel, da Universidade Federal de Pelotas (1883) e a Luiz de Queiroz, ESALQ-USP, de Piracicaba (1901) foram, todas elas, criadas no modelo francês que privilegia conhecimentos acadêmicos. Essas três primeiras escolas de agronomia tiveram os currículos de seus cursos importados e implantados por professores de Grignon, o hoje Institut Nationale Agonomique Paris-Grignon – INA-PG que visitei algumas vezes em missões do Ministério da Educação. Por outro lado, o modelo americano, dos Land Grant Colleges tinha como objetivo a Ciência com Prática e com os quais também trabalhei, na Michigan State University em convênio com o MEC para o desenvolvimento de nossas universidades e faculdades agrícolas. Em apenas cinco anos, de 1975 a 1980, treinamos 250 PhDs brasileiros nas universidades americanas. Estes, somados aos treinados no país e mais ainda, os da EMBRAPA, formavam, já no ano de 1980, uma massa crítica de cerca de 1200 (um mil e duzentos) doutores docentes e pesquisadores das ciências agrárias. Equipe sem similar no Brasil, tanto em qualidade como em quantidade. Nenhuma outra área da Ciência e Tecnologia se desenvolveu tanto no Brasil quanto as Ciências Agrárias. Não é a toa que lideramos rankings mundiais de produção e exportação de produtos agrícolas desde o final dos anos de 1980 e início de 90. Temos berço…, a filosofia dos Land Grant College com sua característica tríade Ensino-Pesquisa-Extensão, deu cero aqui na ESAL/UFLA desde o seu nascimento em 1908.
Mr. Wheelock, notável profissional que era, importou muitas novidades e tecnologias avançadas para a prática agrícola na ESAL. Sempre com a motivação de “Ciência e Prática”, não só naquele belo brasão aqui reproduzido, à imagem e total semelhança com o da escola onde se graduara nos EUA, mas, principalmente por criar e realizar a 1ª Exposição Agrícola do estado de Minas Gerais, em 1922, ali na praça central do Campus Histórico da UFLA. Também trouxe o primeiro trator agrícola para a região e estrategicamente importou raças suínas do tipo carne, como o Duroc-Jersey, Landrace, Large White e outras, para fomentar entre os agricultores a melhoria de seus rebanhos. Foi também o criador da primeira publicação oficial da ESAL, a revista “O Agricultor”. No mesmo ano, o então diretor Hunnicut inaugurou o prédio “Álvaro Botelho”, onde hoje está o Museu Bi Moreira.
Definitivamente, o brasão da ESAL/UFLA, aqui reproduzido, expressa a alma mater do sucesso da Agronomia, com a sua Ciência e Prática, que representa a filosofia do Land Grant College, hoje ainda cultuada com a trilogia Ensino, Pesquisa e Extensão. Esse brasão foi criado, com muito amor e dedicação à causa, pelo admirado e respeitado Mr Wheelock, cultor e defensor da filosofia dos Land Grand College. Sua ação na ESAL como professor, extensionista pioneiro no Brasil e diretor por três vezes, representa o que foi de mais sagrado na consolidação dessa centenária instituição, que hoje é conhecida e reconhecida no Brasil e no exterior, por Universidade Federal de Lavras. Esse brasão da ESAL era a sua alma. Representava o amor da Pátria-mãe, onde se graduou e mais, ainda, o amor à terra e à Escola que escolheu para exercer sua profissão de educador e empreendedor da modernização da agricultura num país carente de técnicos qualificados para seu desenvolvimento. Prestemos, portanto, um tributo a esse cidadão de dupla nacionalidade – John Henry Wheelock e ao brasão, por ele estilizado, que simboliza a essência da trilogia consolidada na ESAL/UFLA: Ensino, Pesquisa e Extensão. O historiador Bi-Moreira estava certo ao atribuir-lhe a alcunha de “O Consolidador”.
Conhecer a história é valorizar o presente para olharmos o futuro com otimismo e confiança.
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*Prof. Paulo Roberto da Silva