Ezequiel, Aloisio e João Carlos
Naquela época, o Instituto Presbiteriano Gammon já cumprira mais da metade de sua vida atual, encontrando-se amadurecido em suas concepções e filosofia iniciais. O garboso hino era cantado com ardor pelos moços de “alma verde”, a exaltar um inefável orgulho juvenil, amor à Pátria e anseios de cidadania, sob as bênçãos de Deus e à busca do progresso humano.
O arcabouço físico da linda chácara estava praticamente completo nos anos 1950. As alamedas umbrosas cortavam todo o “câmpus” e o portal da frente alegremente se abria à beleza branca do Lane Morton, o querido auditório de tantos eventos, cultos e comemorações. Mais adiante, à esquerda, pontilhavam as salas de aulas e no cimo do aclive descortinava-se o imponente prédio-sede original, então destinado à biblioteca e salas de estudo. À direita da entrada, a belíssima aleia de sapucaias, iniciada pela casa do reitor (Mr. Calhoun) e comportando, ao longo, os três dormitórios do internato. Ao final, estavam o auditório velho, o refeitório novo, a pequena enfermaria e as casas do diretor (Sinval Silva), do gerente (Sr. Batista) e do missionário Carl Hann.
Abaixo da aleia, em declive, os campos esportivos e a sede dos equipamentos, conhecida como Eliseia. Finalmente, à direita do campo de futebol, debruçava-se uma ladeira plantada de eucaliptos, o famoso “desgalhador”, que tanto trabalho dava quando as bolas ali caiam.
Eduardo Ezequiel e João Carlos em frente ao Lane Morton
Lá embaixo, um pequeno riacho a correr pelo cannon, que separava o Instituto da Escola Superior de Agricultura (ESAL). E na Dr. Augusto Silva, a praça principal de Lavras, ficava o majestoso Colégio Carlota Kemper, com internato e externato para lindas moças, muitas das quais desciam a ladeira, para atividades escolares e sociais no Gammon. Esta paisagem se manteve praticamente estável até os dias atuais, aprimorada com novos laboratórios, piscina e equipamentos desportivos. Mais tarde, apesar do fechamento do internato e a competição com novas casas de ensino do País, o Gammon manteve-se vivo, chegando a mil alunos nos anos recentes. Interessante lembrar-se que, a partir de 1955, os formandos de diversas turmas fizeram construir bancos de alvenaria com seus nomes encrustados, ao longo da pequena avenida, a substituir os tradicionais quadros de formatura.
Por contingências de sobrecarga familiar, os cinco filhos de Emmanuel Dias e Nícia de Magalhães Pinto Dias por lá estiveram entre 1953 e 1957, a saber: Emmanuel (Leo) e Eduardo, os dois mais velhos, foram em 1953 para um ano de estudos. Eduardo voltou em meados de 1954 com João Carlos, ambos no 1º Científico. Este último terminou o Científico em 1956. Ezequiel e Aloisio entraram ambos no Ginasial em 1955 e ficaram no Gammon até 1958. Eduardo deixou o Gammon em 1955, matriculando-se no Curso Técnico da ESAL – a formatura foi em 1958.
Na sequência, os principais encaminhamentos dos cinco Pinto Dias foram:
Emmanuel Pinto Dias
– Leo formou-se em Farmácia pela UFMG (1964), dedicando-se posteriormente aos estudos experimentais sobre Esquistossomose, no Centro René Rachou, da Fiocruz, em Belo Horizonte. Faleceu em 1989. Casado com Daura, deixou cinco filhos.
Eduardo e a filha
– Eduardo trabalhou em Bambuí (Fazenda Água Santa e Laboratório Cruzdias), mudando-se posteriormente para Belo Horizonte, onde trabalhou no comércio de pedras preciosas e possuiu oficinas de automóveis. Casou-se com Ana Maria e deixou uma filha, falecendo em 1988.
João Carlos junho ao banco da turma dele – 3º científico – 1956
– João Carlos formou-se em Medicina na Faculdade de Medicina da USP, em Ribeirão Preto (março de 1963). Trabalhou como médico no Rio de Janeiro, Bambuí e Ilha Solteira, voltando para Belo Horizonte em 1972, dedicando-se na Fiocruz às pesquisas sobre Doença de Chagas, herança de seu pai. Fez mestrado e doutorado na UFMG, chegando a professor titular em Clínica Médica (1991). Foi presidente da FUNASA, diretor do Programa Nacional Contra a Doença de Chagas e consultor da Organização Mundial de Saúde. É membro da Academia Mineira de Medicina e pesquisador emérito da Fiocruz. Casado com Rosinha, tem quatro filhos.
Ezequiel e João
– Ezequiel terminou o 3° Científico em São Paulo e em seguida fez Engenharia Eletrônica no ITA. Terminaria o curso em 1964, mas com o golpe militar naquele ano sofreu um trancamento de matrícula e no ano seguinte foi desligado da escola. Recebeu seu diploma somente em 2005, por iniciativa do reitor do ITA que reverteu as punições injustas ocorridas no período da Ditadura Militar. Fez curso de pós-graduação latu sensu em Informática (especialização), em Grenoble, França, em 1968 e 1969. Trabalhou no IBRA (depois INCRA), no SERPRO e no DATASUS (Departamento de Informática do SUS). Participou na criação e foi o primeiro presidente da Associação de Profissionais em Processamento de Dados do Rio de Janeiro, APPD-RJ, e da APPD Nacional. Casado com Sônia Lúcia, tem três filhas.
João Carlos, Ezequiel e Aloisio
– Aloísio terminou o Científico em Belo Horizonte e Petrópolis, formando-se em Psicologia pela UFMG, em 1979. Especializou-se em Psicologia Social e integrou grupos importantes, como o do Prof. Pierre Weil e Ângelo Gaiarsa. Trabalhou como psicólogo no Banco Real, nas Centrais Elétricas de São Paulo e na Imperial Chemicals Industries (Inglaterra). Faleceu em São Paulo, em 2018. Casado com Beatriz e Eliana, deixou três filhos.
Ao longo dos anos, os cinco irmãos guardaram preciosas lembranças do Gammon, alguns considerando ter ali vivido os principais momentos de sua juventude, em termos de formação humana e amadurecimento social. Tal sentimento, aliás, tem sido compartilhado por inúmeros colegas daquela e de outras gerações gammonenses, pois
Turma de Ezequiel na casa de Grace e Carl Hahn – 1957
“o Gammon nunca sai da gente”. Marcaram sobremaneira, os parâmetros de disciplina consciente, participação, responsabilidade pessoal, amor à instituição e meritocracia, que se viviam no colégio e eram fortemente incutidos nos alunos. Em paralelo, cultuando sua “alma verde” na vivência diária, nos eventos e competições, o Instituto fazia-se amar e respeitar. No hino famoso, o Colégio assume paternidade, vaticinando-se que “em cada filho tu verás recompensado teu nobre labor”. E foi emblemático que ao final de 1954, quando foi concebido e posto à venda um formoso agasalho branco e verde, com as insígnias gammonenses, logo se esgotou o estoque e as ruas de Lavras se encheram de meninos envergando aquela blusa, fosse no frio, fosse no calor. É de notar-se que o Instituto vem coerentemente cumprindo o desideratum original, preparando quadros de liderança social e política, formando homens de bem, compromissados com o progresso. Educadores, intelectuais, profissionais de destaque, gestores e empresários diversos têm saído de seus quadros ao longo das gerações. Da nossa, especificamente, mencionem-se, por exemplo, o ministro e secretário Alysson Paulinelli; o diretor da ESAL, Sílvio Nogueira; o presidente do Serpro, Ricardo Saur; o presidente da FUNASA, JCP Dias; o pastor presbiteriano, Márcio Moreira; o secretário de Governo de Minas Gerais, Márcio G. Villela; o jornalista Murilo Felisberto; o comandante de jatos, Sóter França; o presidente da UNE, Altino Dantas; os diretores da Emater, como José Lobato Neto e Ubaldino Machado, e do Serpro, EP Dias; o secretário de Saúde do Rio de Janeiro, R. Gazzola; a reitora da UFMG, A. Gazzola; e nossas queridas misses Minas Gerais, Anelise Kjaer (1956) e Liba Carrascosa (1960). No campo desportivo, outro lado forte do Gammon, sejam citados o Alfredão, o Delane, o Marcelo e o Canarinho (atletismo), a Selma (vôlei) e o Henrique e Mateus (futebol), entre outros.
Emmanuel Pinto Dias com a esposa e filhos
Um sentimento de familiar ternura foi forjado pelos tempos, na convivência amiga e responsável entre alunos, professores e funcionários, plasmando-se sincero orgulho pelas lides acadêmicas e artísticas, pela bela chácara, pelas inúmeras vitórias esportivas, pelo escopo socializante e pelos símbolos do Instituto. Prof. Sinval, em sua imensa sabedoria, também estimulava para que os alunos amassem a natureza, discutissem a vida e namorassem bastante, preparando-se para a maturidade e para as escolhas certas. E garbosos, gammonenses e kemperinas desfilavam com perfeição pela cidade nos dias da Pátria e do Instituto, aplaudidos com fervor pelo povo lavrense, que amava o Gammon. A socialização passava também pelo Coral, pelo teatro, pelas excursões e pelas rotineiras reuniões do Retiro Literário e Recreativo, grêmio dirigido pelos alunos, assim como pelo jornalzinho semanal mimeografado “O Gammonense”, editado pelos alunos, e depois pelo “O RLR”, impresso, cobrindo os principais eventos da cidade, como greves e eleições, com a liderança de Murilo Felisberto. A venda do “O RLR” na cidade proporcionou uma experiência inédita e bem sucedida na praça principal – a venda com uma banca sem vendedor, onde o interessado pegava seu jornal, pagava numa caixinha onde retirava seu troco.
Alunos, professores e funcionários foram os principais protagonistas da comunidade verde e branca. Lavras era cidade berço da cultura regional e famosa por seu histórico em letras, artes e desportos, então cognominada “Atenas Mineira”, ensina a Wilkipedia:
Aloisio e Ezequiel no Gammon
“Lavras, nos anos 1950, passava por um de seus momentos de maior riqueza cultural, artística e esportiva, graças a associações cívicas, como a Sociedade dos Amigos de Lavras (SAL) e a Sociedade Lavrense de Cultura Artística (SOLCA). A crônica da época registra diversas iniciativas, como bailes, concursos, exposições, eventos educacionais, espetáculos teatrais, recitais de música e poesia, amistosos e torneios futebolísticos, além da formação de uma biblioteca pública e um museu municipal”. (Acesso em junho/2019).
Nomes, como Roberto Coimbra, Sinval Silva, Bernd Bartels, Genésio Botelho, José Lima e outros, abrilhantavam o setor docente do Instituto, de Pedagogia, baseada nos “campi” universitários norte-americanos, conforme o site da Casa:
“Desde suas origens até os dias de hoje, o pioneirismo tem sido um dos elementos distintivos do Gammon. Seus fundadores trouxeram uma concepção de ensino voltada não somente para a vertente do conhecimento, mas também para a formação de valores, principalmente aqueles relacionados à ética cristã reformada como respeito, solidariedade e reconhecimento de Deus como o autor da nossa vida e soberano sobre todas as coisas”. (Acesso em junho/2019).
Na rotina diária, professores e alunos se misturavam naturalmente, interagindo com naturalidade nas classes e nos intervalos entre elas. Houve até namoros formais, como o do Lely, com uma formosa mestra, da Joana D’ Arc, com um professor de Matemática, e do Noraldino, com uma regente do Kemper. As aulas de Francês eram inteiramente ministradas naquele idioma por D. Lourdes, que incluía notáveis peças literárias para interpretação dos alunos. Por exemplo, “La mort du loup” (Alfred de Vigny), que nos diz nos versos finais:
“Hélas ! ai-je pensé, malgré ce grand nom d’Hommes,
Que j’ai honte de nous, débiles que nous sommes!
Comment on doit quitter la vie et tous ses maux,
C’est vous qui le savez, sublimes animaux!
A voir ce que l’on fut sur terre et ce qu’on laisse
Seul le silence est grand ; tout le reste est faiblesse.
– Ah ! je t’ai bien compris, sauvage voyageur,
Et ton dernier regard m’est allé jusqu’au coeur!
Il disait : » Si tu peux, fais que ton âme arrive,
A force de rester studieuse et pensive,
Jusqu’à ce haut degré de stoïque fierté
Où, naissant dans les bois, j’ai tout d’abord monté.
Gémir, pleurer, prier est également lâche.
Fais énergiquement ta longue et lourde tâche
Dans la voie où le Sort a voulu t’appeler,
Puis après, comme moi, souffre et meurs sans parler”.
O mesmo fazia D. Nadir no Inglês, ficando o poema “IF”, de Rudyard Kipling, como texto de cabeceira de muitos alunos:
“If you can keep your head when all about you
Are losing theirs and blaming it on you,
If you can trust yourself when all men doubt you,
But make allowance for their doubting too;
If you can wait and not be tired by waiting,
Or being lied about, don’t deal in lies,
Or being hated, don’t give way to hating,
And yet don’t look too good, nor talk too wise:
If you can dream—and not make dreams your master;
If you can think—and not make thoughts your aim;
If you can meet with Triumph and Disaster
And treat those two impostors just the same;
If you can bear to hear the truth you’ve spoken
Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to, broken,
And stoop and build ‘em up with worn-out tools:
If you can make one heap of all your winnings
And risk it on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings
And never breathe a word about your loss;
If you can force your heart and nerve and sinew
To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
Except the Will which says to them: ‘Hold on!’
If you can talk with crowds and keep your virtue,
Or walk with Kings-nor lose the common touch,
If neither foes nor loving friends can hurt you,
If all men count with you, but none too much;
If you can fill the unforgiving minute
With sixty seconds’ worth of distance run,
Yours is the Earth and everything that’s in it,
And—which is more—you’ll be a Man, my son!”.
Da mesma forma, além de suas classes de Espanhol e Filosofia, Sinval Silva conduzia rotineiramente a abertura semanal das aulas, para todos os alunos, reunidos no Lane Morton, com temas sociais, políticos e espirituais. Já Roberto Coimbra, de grande cultura e profundo encanto pessoal, manejava a Língua Pátria com uma beleza e simplicidade sem par, discutindo em aula as “expressões idiomáticas”, a construção da Língua pelos mestres e pelo povo, a valorização das palavras ou sentenças consagradas pelo uso. Independente, paternal e avançado, ressaltava e estimulava a prática da “expressão oral” no como, no quanto e no que deve uma pessoa falar, tanto no seu dia a dia, como em palestras, aulas ou conferências. De sua parte, os funcionários eram acolhidos, simples e corteses, como as secretárias Vanda e Vanilda, o cozinheiro José e os serviçais dos dormitórios, como o Sebastião Calisto e a Ritinha, esta última despertando amores em vários rapazes internos. Referência especial seja feita ao Coral do Instituto e às atividades desportivas. O Coral, dirigido magistralmente por Mrs. Mildred, encantava a todos nos cultos e eventos, destacando-se a apresentação em altíssima qualidade do Messias, de Haendel, assim como a ópera “O Mikado” (Gilbert & Sullivan), apresentada no Instituto e na cidade. Inesquecíveis, ainda, eram os cantares de Mrs. Mildred, noiva nos EUA, a interpretar com extrema emoção melodias românticas, como With a song in my heart, Night and day e The man I love, com Norma Duarte ao piano.Nos esportes e sob a batuta de Lima, intensa e regular movimentação, envolvendo treinamentos e competições em praticamente todas as modalidades, sobressaindo-se o atletismo e o futebol, com títulos alcançados em nível local e regional. E a torcida cantava com ufanismo, sob o comando do Bi Moreira: “Abram alas, estudantes, vai passar o Zé Gamão…”.
Aloisio, Ezequiel e João Carlos embarcando em Belo Horizonte para Lavras num voo da Nacional Transportes Aéreos – 1956
O internato masculino comportava uns 400 rapazes de diversas procedências (Pará, Guaporé, Rio de Janeiro, Paraná, Mato Grosso, Goiás), mas a maioria provinha de cidades mineiras (Ribeirão Vermelho, Luminárias, Perdões, Nepomuceno, Carmo da Mata, Patrocínio, Belo Horizonte, Araxá, Monte Carmelo, Bambuí, Piumhi, Prados, Oliveira, Formiga, Campo Belo, Cambuquira, Lambari, Abadia dos Dourados etc), Assim se orquestrava uma rica miscigenação de culturas e costumes entre os alunos. Muito interessante era a capacidade extraordinária do Dr. Sinval para – sozinho – administrar esta rapaziada toda, inclusive nos protestos que faziam aos gritos no refeitório, quando o feijão estava queimado, berrando o canto (em birthday): “O feijão tá queimado (três vezes), que ele seja trocado”.
Como ponto essencial, os inúmeros apelidos dados aos alunos revelavam facetas críticas, procedência, família ou caricaturas. Vinham principalmente da veia criativa e sádica dos veteranos ao batizar seus calouros e novos alunos. Por exemplo, à época, eis alguns apelidos relembrados:
Amigo da Onça, Asinus Otarius, Batata, Biscoito, Bombril, Boró, Burro Branco, Burro Preto, Cafetão, Camarada, Canarinho, Carioca, Charuto, Chicletão, Coronel, Cocota, Cu Triste, Dentinho, Esgoto, Feijão, Florzinha, Fredão, Fueiro, Furioso, Galo, Gato, Guaporé, Jacaré, Jacatico, Juju, Lobato, Marruco, Meu Chapa, Mossoró, Pai Adão, Pai d´égua, Patureba, Péla, Peru, Peruzão, Peruzinho, Pinguim, Pinto-Maluco, Pombinha, Porca-Piau, Quinca, Sidinha, Soneira, Tampinha, Xangrilá, Ximbica, Xulapa, Xulipa, Zazo, Zé Moranga, Zé Prego e Zé Gamão (o Bi Moreira).
Marina e Aloisio no Gammon
A rotina diária era simples e eficiente, cabendo aos alunos várias tarefas de controle e organização, como regência de dormitórios e “estudinhos”, chefias da banda e equipes esportivas, treinamento de grupos em várias modalidades esportivas, controle da biblioteca e da enfermaria (curativos e pequenos cuidados) etc. Nos dias úteis, a faina começava com o primeiro badalar do sino do refeitório, às 6:00 da manhã, seguindo-se o toque das 6:10, e o último, para fechar as portas, às 6:15. Café, leite e pão francês com generosa manteiga compunham o menu básico, às vezes enriquecido com bananas. As aulas começavam às 7:30 e eram nas salas designadas, alternadas a cada classe com outras salas, o que nos obrigava a caminhar pelo ar puro, cruzar com outros alunos e evitar a mesmice. Às 9:00 reuniam-se todos no Lane Morton para as palestras da abertura e algumas orações. O almoço era às 12:00, recomeçando as aulas da tarde às 14:00. Ao jantar seguia-se o horário de estudinho para os rapazes mais novos, excluindo-se o pessoal do Científico desta obrigação. Aos sábados, geralmente havia aulas pela manhã e estudinho à tarde. Em tardes livres, aproveitava-se para desportos, leituras e passeios pela cidade (portões sempre abertos), sendo obrigatório o leite com brevidades no bar do Alemão. Também eram rotina o corte de cabelo com o Sr. José e a retirada semanal da mesada, administrada pelo Bi Moreira. Os rapazes mais velhos saiam à noite, especialmente nos sábados, quando se dava o concorrido footing (“rela”), na Praça Central. Às 22:30 todos deveriam estar de volta, havendo conferência pelos regentes dos dormitórios. Nos domingos, dia de descanso formal, o café era às 8:00, sobejamente antecedido por uma sopa grossa, espécie de canja. Seguia-se o Culto às 9:00, várias vezes celebrado por um pastor da cidade e com participação do Coral. Aos alunos católicos era permitida uma saída às 6:00 da manhã para a Missa na Capela do Lourdes, o que era elogiado pelo Sinval desde que não faltassem ao Culto. O almoço era às 13:00 e no intervalo vários alunos dirigiam-se à Telefônica para falar com seus pais. Eram vedadas práticas desportivas, mas a biblioteca permanecia funcionante. Nas festas cantava-se o “macaco na roda”, assistiam-se representações e números musicais, rapazes e moças circulavam livre e alegremente pelas alamedas.
Léo (Emmanuel), nossa mãe Nícia e Eduardo
Passagens histriônicas e estripulias dos alunos aconteciam com frequência no Instituto, como não poderia deixar de ser, para gáudio dos rapazes e dores de cabeça para o Dr. Sinval. Para finalizar, relembremos algumas delas, em nosso período:
- Visita ao cemitério de Lavras à meia-noite, para testar alunos medrosos.
- Roubo de um enorme cacho de bananas do Colégio Aparecida, com o Cocota, de madrugada.
- Utilização à noite, de um trator MF estacionado no Colégio, para um giro na Praça da Estação.
- Lançamento noturno de um gato, aos berros, introduzido no quarto de J. Cambraia e A. Paulinelli, desde a janela do 3 de cima.
- Apropriação indébita de galinhas, à noite, em casas da Lavrinhas, para a confecção de risotos na pensão de D. Geralda, reservando-se uma delas como pagamento do serviço.
- Balbúrdia enorme no 3 de baixo pela introdução de um cavalo no banheiro, pela madrugada.
- Idem, idem no penúltimo quarto do mesmo dormitório, de um grande cachorro que ousou deitar-se na cama com um dos alunos.
- Fugas noturnas para horas dançantes no Cine Ipê, no CA da ESAL e nos “salões” da Exposição (“Society” e “Cinzeiro”).
- Importantes desdobramentos da “visita” do esqueleto humano das aulas de Ciências ao 3 de baixo, à meia-noite: no quarto dos gêmeos Ronan e Ronaldo, o medrosíssimo Galo foi despertado com a caveira a sua frente, emitindo um grito de terror, chamando sua mãe e se escondendo por baixo das cobertas. No quarto vizinho, Carlos Côrtes recebeu muito naturalmente os protagonistas, entendendo prontamente os objetivos da ação, cujo alvo seria o galhofeiro e gozador Cocota. No entanto, para decepção geral, o dito cujo teimou em não acordar, apenas se abraçando, amorosamente, com o esqueleto.
- Os concursos inusitados entre os alunos, como o de comer mais “boticas” (guloseimas enviadas de casa para os alunos), vencida facilmente pelo Hudson Menicucci, e o da sopa dominical (Jaú = 7 pratos e JCP Dias = 7,5). O concurso de tempo de permanência de besouros e aranhas pelas costas de alunos nus, ou de giros sem cair com o tronco fletido e a cabeça voltada para um lado, e, ainda, o concurso do tamanho da chama proveniente de flatulências de alunos nus, em posição ginecológica.
- A briga generalizada entre motoristas e alunos no “dancing” do Ipê, em que o G. Alvarenga, do alto da escada, perguntou de que se tratava. Foi informado que devia averiguar ele mesmo, in loco, e, quando desceu, foi logo apanhando, sem saber por que e nem por quem.
- As famosas caçadas noturnas de rãs nos brejos da ESAL, com a cumplicidade do Sinval, que recebia pessoalmente os animais e os preparava para D. Haidée cozinhar. Certa feita, o Zazo pescou uma cobra, o que lhe rendeu enorme pavor e uma grande dificuldade em voltar àquela atividade.
- A briga memorável, depois do almoço, entre o Hudson (muito gordo e simplório) e o Paulo Alvim (mais forte), assistida por grande número de alunos. O Paulo levava nítida vantagem, desconhecendo as brincadeiras que se faziam com o pobre Hudson, que era aplaudido pela turba com os gritos “monta, monta!”. Não é que o infeliz conseguiu derrubar o oponente e deitar sobre ele todo o seu corpanzil? Arfante, surpreso e sem ar, o Alvim teve, como último recurso, agarrar e comprimir com toda força a garganta do outro, deixando-o também em apuros e sufocado. Carlos Côrtes interviu, bombasticamente berrando: “Ninguém entra!”. Nesse instante, o Hudson não se aguentou e vomitou enorme volume do almoço sobre o rosto do oponente, o qual, de boca aberta, sorveu grande parte do líquido, motivando também seu próprio vômito que atingiu seu agressor e alguns circunstantes. Foi assim o “gran-finale” da porfia, abrilhantado pelo vômito consequente de vários meninos que rodeavam os contendores.
Abram alas, estudantes! Este é o nosso Gammon, amado e devidamente celebrado nestes 150 anos. Dos que tivemos a felicidade de vivê-lo, o preito de carinho e gratidão.
Belo Horizonte, Rio, junho de 2019
Aloisio, com Marina Nascimento Paiva , amiga dos tempos do Gammon, em uma de suas últimas fotos.
João Carlos soltando pipa com o neto