Em busca de uma maior disciplina nos estudos, aos 14 anos fui levado para estudar interno no Instituto Gammon, deixando a família em Campo Belo – MG, formada pelos pais e dois irmãos: Nilson, Hélia, Emerson e Danielle, que hoje, lecionando direito na Unilavras, tem o privilégio de desfrutar da mesma riqueza cultural que um dia pude desfrutar e reverenciar na cidade dos ipês e das escolas.
Encontrei o Instituto sob a administração de Langston Randolph Harrison como Reitor, Roberto Coimbra como Diretor e Jacy Romeiro como Diretor do Internato, isso em fevereiro de 1972.
Os primeiros dias no internato se caracterizaram pela permanente apreensão, com os controles rígidos de horário de alimentação, estudos, atividades e sono.
Às 22h00 as luzes dos dormitórios eram desligadas na chave geral, e não havia, por isso, outro destino, salvo a cama.
Que saudades eu tinha de casa naqueles dias!
Contudo, com um mês no Instituto Gammon pude verificar que o temor inicial ia se amenizando com a simpatia da direção e dos estudantes, em ambiente de extrema harmonia de uma instituição realmente dedicada à Glória de Deus e ao Progresso Humano.
O diretor do internato tinha a aparência severa, mas possuía um coração enorme e justo, certamente influenciado pela doçura da esposa Belisa.
Que eterna saudade daquele casal.
O Gammon era, também, para o meu orgulho, o educandário por onde tinha passado o meu avô-materno no longínquo ano de 1918, e se tornou o lugar propício para a minha formação educacional, cultural e pessoal, pelo que a minha dívida para com o Instituto é irresgatável.
Sob o perfume das magnólias e às sombras das sapucaias o Instituto Gammon tinha uma vida diuturnamente efervescente.
Pela manhã, as aulas representavam um manancial de conhecimento, tendo como protagonistas os grandes professores do colégio.
Aproximando-se do almoço, o alunado ia embora para suas casas, mas a vida gammonense não cessava ali.
Os internos continuavam movimentando a chácara, no burburinho do refeitório, no “estudinho”, nas áreas de esporte etc. Alguém encostava um rádio de pilha em uma das colunas do ginásio para ouvir a Mundial 860 do Rio, durante o dia, o que era uma façanha em se tratando de ondas médias. Os professores residentes, como Pastor Harrison, Roberto Coimbra, José Lima, Vanda Mendes, Jeová Medeiros, Paulo Monteiro, Waldir Azevedo e Lucinda King Carr, cuidavam dos seus afazeres quotidianos pós-aula. Os empregados, como Tião, Black, Estevão, Arlindo, Moisés, Luíza, Quim, continuavam suas tarefas diárias. No Lane-Morton alguém ensaiava uma apresentação ou o saudoso Sérgio Wagner dedilhava com maestria o vibrante órgão Harmony. Uns treinavam no Ginásio Almir de Paula Lima, outros no Estádio Castelo Branco. As tarefas na pequena área agropecuária também movimentavam o dia a dia do Gammon, com cuidados do pequeno gado, das hortaliças e do silo, este em belo estilo americano. Ou seja, a vida no colégio era intensa, mesmo ao término do turno letivo.
Naqueles anos envolvi-me com todas as espécies de atividades estudantis, levado por Adilson Sousa Ribeiro e Afonso Luiz Porto Alckmin. Auxiliava na organização de saraus, quermesses, teatro, encontros esportivos, política estudantil e muito mais.
Em 1975 fui escolhido Presidente do, então inativo, Retiro Literário e Recreativo Sinval Silva, quando o Gammon era administrado por Almir de Paula Lima, José Costa e Júlio César Romeiro. Aqueles como reitor e este como diretor.
A administração do RLRSS foi coroada com a promoção de um show de Gilberto Gil, “Refazenda”, em 9 de setembro de 1975, com público recorde, graças ao empenho de pessoas como como Afonso Alckmin, Marcelo Estermann, Maria Luíza Victorino, Rejane Marinho Alves, Washington Corrêa Costa, Celso Braga de Souza, Miriam Ribeiro Diniz, Thaísa Giarolla, Beatriz Amarante, Kátia Loureiro, Selma Castejon Branco Alves e outros, que têm o nome perenemente gravado num dos bancos que compõem a alameda principal do Gammon.
A polícia teve até que ser chamada para garantir a manutenção da ordem, o que não evitou a quebra do vidro da porta principal do teatro. Muitos queriam entrar no Lane-Morton, mesmo com os ingressos esgotados. Todos queriam ouvir “Abacateiro. Acataremos teu ato. Nós também somos do mato como o pato e o leão”. Ninguém queria saber do “aguardaremos”.
O sucesso foi estrondoso, embora, para minha frustração, Gilberto Gil tenha dito, em show na UFLA, anos depois, em 5 de setembro de 2013, que era a primeira vez que cantava em Lavras. Esqueceu-se de que para Lavras já tinha levado, 38 anos antes, seu parceiro Dominguinhos, sua esposa Sandra e seu filho Pedro, deixando no Rio uma bebê de um ano, a hoje Preta Gil.
Em 1976 o Instituto Gammon resolveu descontinuar o internato, o que me forçou a ir morar num hotel, de propriedade do saudoso Ricardo Resende, que estava recém instalado no prédio do extinto Colégio Kemper. A minha alma Gammonense conseguia, assim, reter meu corpo entre as grandes obras de Samuel. De dia na chácara, à noite no prédio do Kemper, isso quando não estava dedicado aos serviços do Tiro de Guerra, na época sob o número 04-264.
Em 1977 deixei Lavras. Mudei-me para Belo Horizonte, ingressei-me na Faculdade de Direito da UFMG e formei-me em 1982, para, de imediato, dedicar-me à advocacia.
Em 1986 iniciei uma carreira de professor, na área do direito processual civil, tendo passado pela Universidade de Itaúna, pela PUC-MG e pela Universidade Federal de Viçosa, onde fui professor pioneiro no curso de direito, mediante concurso público. Foram 25 anos dedicados ao magistério.
Também, por concurso público de 1992, entrei para a carreira de Procurador do Estado de Minas Gerais, cargo que ainda continuo exercendo, além manter o meu escritório de advocacia.
Sou casado com Gisela Potério Santos Saldanha, que é Procuradora de Justiça do Estado de Minas Gerais. Meus filhos são: Fernanda Monteiro Saldanha e Bruno Potério Santos Saldanha. Aquela advogada e este estudante de direito.
Assim, já se formaram 40 anos fora do Instituto, em que estou com os olhos voltados para o estudo, para a operação do direito e para a criação da família, sempre em Belo Horizonte. Contudo, o coração e a alma estão presos na sagrada chácara do Gammon, pois “a gente sai do Gammon, mas o Gammon não sai da gente.”
Não vejo a hora de estar nas comemorações dos 150 anos de existência do Instituto Presbiteriano Gammon, homenageando todos os que foram responsáveis por sua grandeza, confraternizando com os irmãos Gammonenses e orando a Deus para que a Casa de Samuel Rhea Gammon continue sempre cumprindo o seu ideal em favor do progresso humano.
Maravilha ler esse texto. Senti-me novamente nos idos 60, quando aí estudei e me formei em 1969, ano do centenário. Obrigado, amigo Marconi. Grande abraço.