Como vi e vivi o Gammon

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O
Instituto Presbiteriano Gammon (IPG) é a maior e mais antiga instituição
educacional e religiosa de Lavras. Completa, neste ano, 148 anos de existência.
Foi fundado em 1869, em Campinas-SP, e transferido para Lavras-MG, em 1º de
fevereiro de 1893. Diz a lenda, criada pelo atleta da época Osmundo Miranda, que “… a gente sai do Gammon, mas o Gammon não sai da gente”. Pura
verdade! Mas, eu pergunto, será que esse slogan, verdadeiro, só se aplica a
quem ali estudou desde a pré-escola ao curso superior, notadamente o ginásio e
o colegial? Então, para ser, apreciar, vivenciar e cultuar o espírito
gammonense teríamos que passar pelos ciclos completos da educação formal, com o
diploma, atividades nas áreas da cultura e esportes que culminavam e continuam
a brilhar nas famosas Semanas do Instituto? Lógico que não! Então os pais,
familiares dos alunos e aqueles que seguiram os ensinamentos religiosos do
missionário Samuel Rhea Gammon, o fundador do colégio e igrejas em Lavras e
região, ou ainda aqueles que frequentaram outras atividades do famoso colégio,
não poderiam assim se classificar e também cultuar a memória daquele
educandário e seu fundador? E quem frequentou somente o Departamento de Ensino
Superior do Instituto Gammon, a velha Escola Superior de Agricultura de Lavras
(ESAL), célula-mater da Universidade Federal de Lavras (UFLA)? Perguntei e eu
mesmo respondo: – Não, não são gammonenses apenas os que cursaram o ginásio e o
colégio! Sem nenhum demérito para com os colégios que frequentei em Lavras e
Itaúna-MG, considero-me também um gammonense.

Meus
laços afetivos com o IPG incluem palestras que ali assisti, no belo e amplo Auditório
Lane Morton, a convite de minha irmã Dilma de Abreu, que ali estudou e se
formou, em 1961, no curso Técnico de Contabilidade, aliás, o único da cidade.
Menino de 15 ou 16 anos assistiu a algumas palestras sobre jovens, com
renomados educadores vindos do Mackenzie, de São Paulo-SP, e do Grambery, de
Juiz de Fora-MG, instituições co-irmãs do Instituto Gammon. Frequentei, também,
em 1962/63, o curso gratuito de Inglês, à noite, nas dependências da Escola
Carlota Kemper, ministrado pelo querido e dedicado voluntário do Peace Corp, o
jovem Bob, de pouco mais de 20 anos de idade. Plena juventude do menino, puro
entusiasmo por “falar” o idioma inglês, tal qual costumava ouvir na Radio Voice
of America e um pouco diferente do sotaque britânico da BBC de Londres.

Pouco
tempo depois, enquanto cursava o último ano do curso científico em outro
colégio, matriculou-se no curso de Mecanização Agrícola no Centro de
Treinamento de Tratoristas da Escola Superior de Agricultura de Lavras. Esta, em
1963, ainda era um departamento do IPG. Ano seguinte, em 2 de janeiro de 1964,
o menino prestou concurso vestibular para o curso de Agronomia, tendo obtido
aprovação em primeiro lugar. Ótimo começo, pois aquele foi o primeiro
vestibular da ESAL federalizada, cujo decreto havia sido assinado apenas 15
dias antes. Mesmo federalizada havia poucos dias, a ESAL ainda funcionava com
recursos do Departamento de Ensino Superior do Instituto Gammon. Todos seus
docentes e funcionários pertenciam ao IPG até que se consolidasse a
transferência do patrimônio e recursos humanos para a União. Então…, gammonenses
éramos todos, pois ali estavam, dentre outros, os professores Alfredo Scheid
Lopes, Alysson Paulinelli, Eduardo King Carr (ex-reitor do IPG), João Márcio de
Carvalho Rios, Marcelo Penido, Jaziel Rezende, além de técnicos-administrativos
como o próprio Zé Gamão (Bi Moreira), José Amâncio de Souza e sua filha Vanilda
e Carlos Moreira Santos.

A
velha ESAL era a “cara” e a expressão mais pura do espírito gammonense. Ali
estudei por mais quatro anos, além do curso de Mecanização Agrícola de um ano
antes. Tornei-me um profissional com longa e próspera carreira de Engenheiro Agrônomo,
professor universitário na própria ESAL/UFLA, onde tive a honra de ser o
primeiro pró-reitor de Pós-Graduação, implantando os primeiros cursos de
mestrado, inserindo-a no seleto grupo de instituições de primeira linha. Mais
tarde fui cedido pela ESAL/UFLA para prestar serviços à Educação Superior, no
Ministério da Educação, em Brasília-DF, com missões de longa duração nos EUA e
França, além de várias outras em todas as Américas.

Não
bastasse essa convivência gammonense, extasiei-me, desde a primeira vez que
estive no IPG, com o lema escrito com belíssimas letras em estilo gótico, sobre
o pórtico monumental do palco do Auditório Lane Morton. Além do conteúdo da
palestra que ali assisti, o menino adolescente passou o tempo todo lendo e
relendo aquela marcante frase que encerrava, soube mais tarde, a filosofia de
vida de Samuel Rhea Gammon: “DEDICADO
À GLÓRIA DE DEUS E AO PROGRESSO HUMANO”.
Voltei àquele auditório várias
vezes e a última, ainda como estudante, foi a mais emocionante, o dia da
formatura, da colação de grau como Engenheiro Agrônomo. O paraninfo foi a prata
da Casa, o Prof. Paulo de Souza, que, além de excelente profissional e educador,
foi dos mais renomados atletas gammonenses. Naquele dia, o menino não pôde
conter as lágrimas de alegria pela missão cumprida. Agradeceu e glorificou a
Deus pelo progresso conseguido, cumprindo-se o lema ali bem presente, no alto
do pórtico daquele auditório.

Foi
assim que vi e vivi o Gammon, com muito amor e admiração pelo que representava
para os jovens, tanto no campo educacional, religioso, como também na cultura e
esportes, pois assistir às solenidades da Semana do Instituto, a cada ano, era
um ritual, um costume que movimentava toda a cidade. Na própria ESAL/UFLA,
perdura ainda hoje esse costume das festas de celebração do aniversário da
instituição que, como aqui, também tem a Solenidade das Gerações Esalianas.
Aliás, neste início de setembro de 2017, aqui estarei de volta para celebrar
meus 50 anos de formatura no curso de Agronomia. Grande festa nos espera
novamente a Casa de Samuel Rhea Gammon. Hora de rever colegas, os velhos
mestres e a pujança do IPG e da ESAL/UFLA, alicerçadas nos mais caros
princípios da fé, crença nos valores apregoados e plantados por Samuel Gammon
nesta Terra dos Ipês e das Escolas. Lavras é e será eternamente grata àquele
dedicado, elegante, sensível e visionário educador, Samuel Rhea Gammon.

Sim,
até então falamos apenas da visão do jovem estudante que fui, mas, agora 50
anos depois de ter deixado os bancos escolares, o que dizer de Sam Gammon e sua
obra? Simples assim… o Reverendo Samuel Gammon foi um homem predestinado por Deus para fazer diferença! E isto é
inegável, vejamos:


Fez diferença na juventude ajudando seu pai na lida diária do campo, que
incluía levantar-se às 5 horas da matina, tratar dos animais, recolher os
produtos da fazendinha e levá-los, a bordo de uma carroça, à pequena vila a 15
km de distância. Fazia-o com alegria e sempre a admirar, assoviar e cantar as
belezas do vale do rio Holston, próximo às montanhas Alleghenies, da Cordilheira
do Apalache recoberta de colorido de escarlate, carmesin e amarelo, como disse
sua esposa Clara Gammon. Ali ele sonhava alto, queria ser missionário e quando
lá estive e avistei a sua terra natal, do alto do edifício de um hotel em
Reston, na Virgínia, podia ver a 20 km de distância, a leste, a sede do
Pentágono, famoso órgão de defesa dos EUA e a oeste, mais distante ainda, as
últimas elevações do espinhaço dos
Apalaches, com as montanhas Alleghenies. Foi então que caiu a ficha na minha
memória de infância. Contemplando aquelas distantes montanhas ao amanhecer foi
como reviver a saga do menino Sam Gammon, que todas as manhãs acordava de
madrugada, ainda no escuro, para ajudar o pai na lida da roça. Infância
abençoada que moldou seu caráter, bem ali entre as belezas daquelas montanhas
para um dia sonhar com a criação de uma Escola Agrícola que pudesse desenvolver
e proporcionar o progresso humano. E num estalo, arrisquei a afirmar que sua
escolha, pela cidade de Lavras para sediar o colégio a ser transferido, tinha a
ver com as semelhanças da majestosa Serra da Bocaina que emoldura nossa cidade
e ainda a presença do não menos atraente, o Rio Grande. Tudo a ver com a bonita
Cordilheira dos Apalaches, o rio Hoslton e sua caminhadas por entre os
coloridos campos que aqui também se coloriam com os ipês rosa, amarelo, roxo e
branco… Tudo conspirava a favor, pois a paisagem compunha um cenário muito
semelhante a aquele onde tanto trabalhou, estudou e fez planos para ser
missionário da fé. Ali, em Lavras, era com certeza a sua Terra Prometida e meses depois para cá se mudou, trazendo o Colégio
Internacional, hoje Instituto Presbiteriano Gammon. E aqui realizou outro
sonho, fundou a Escola Agrícola de Lavras (EAL) como a lembrar-lhe do laborioso
trabalho na fazendinha da Virgínia.


Fez diferença na terra natal, não só ao lado dos pais e irmãos, mas também no
Seminário Teológico, onde se destacou como pregador e fluente orador.


Sam Gammon, o bandeirante da fé, fez diferença no trato social, humanitário, na
missão de levar a palavra de Deus a uma extensa região do Sul de Minas, de
Lavras até 200 km rio abaixo, em Piumhi e outros municípios circunvizinhos, de
barco a vapor igualzinho aqueles do rio Mississipi que conhecia tão bem, ou
ainda de trem, a cavalo ou mesmo a pé.


Fez diferença ao deixar a magnífica obra educacional, o Instituto Presbiteriano
Gammom, que, aliás, merecidamente leva seu nome.


Fez diferença ao criar uma Escola Agrícola diferenciada das três únicas então
existentes no Brasil, a da Bahia, a de Pelotas-RS e a de Piracicaba-SP. Todas
mantinham a linha didática própria do sistema europeu, mais precisamente do
Instituto Nacional de Agronomia de Paris – Grignon, com ênfase na produtividade
na menor área possível. Já o ensino agrícola norte-americano se baseava nos
princípios do Land Grant College, com a trilogia Ensino-Pesquisa-Extensão e
focava a produção em grandes extensões de terras e por isso mesmo desenvolveu
com maior velocidade a mecanização agrícola. Samuel Gammon buscou agrônomos nos
EUA e implantou esse sistema inovador de ensino agrícola que ainda perdura até
hoje. Trouxe o primeiro trator agrícola para Minas Gerais, importou suínos de
produção de carne e realizou a primeira Exposição Agropecuária da região. Fez
diferença também no desenvolvimento agrícola e rural.


Suas “diferenças” não pararam por aí. Foi “arquiteto”, projetando casas e os
principais prédios do colégio, monumentais, com suas imponentes colunas de
estilo virginiano.

“Há
pessoas que são predestinadas a servir à humanidade e Samuel Rhea Gammon não se
contentou em deixar apenas saudade na cidade que escolheu para morar e servir
pelo resto de sua vida. Deixou marcas indeléveis, decorrentes de seu caráter,
atuação e, sobretudo, mais que as obras, deixou raios de luz que ainda brilham
e norteiam a magnifica obra edificada sob sua competência e abençoa a direção
desse mais que centenário educandário”, disse sobre ele, o Rev. Wilson Emerick
de Souza.

Finalizando,
ao lado de suas palavras de dedicação à Glória de Deus e ao Progresso Humano e ainda
aquele ditado que a gente sai do Gammon, mas este não sai da gente, gostaria de
acrescentar dois outros, de Marcel Proust e Mário Quintana. O primeiro,
escritor francês, disse que “os verdadeiros paraísos são os que
perdemos”, e o segundo, poeta e jornalista brasileiro, ensinou que “a
gente continua morando na velha casa em que nasceu”… Então, deve ser por
isso que ao voltar a pisar nesta casa, nesta cidade, Terra dos Ipês e das
Escolas, e revendo esse berço em que nasci e me formei como cidadão e
profissional, sinto-me com alma revigorada, sobretudo por estar e participar da
Semana em que se comemora os 148 anos do Instituto Presbiteriano Gammon. O
mesmo que, ainda hoje e sempre, tem cultivado os ensinamentos de Samuel Rhea
Gammon, a quem reverenciamos a memória e aproveitamos a data para cumprimentar
seu neto, Dan Gammon, que se deslocou de tão longe, do Tennessee (EUA), para
prestigiar essas comemorações e receber justas homenagens, honrando a todos nós.

Nossa
gratidão!

Brasília-DF,
Lavras-MG, agosto de 2017

Paulo Roberto da
Silva

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Busto de Samuel Rhea Gammon, na praça central da
velha ESAL.

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Montanhas dos Appalaches, na Virginia (EUA)

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Mt. LeConte/TN, na Cordilheira dos Appalaches,
a 100 milhas ao sul de Bristol-Virginia, a terra natal de Sam Gammon. Um
cenário comum da Cordilheira dos Apallaches, que se estende por quase toda a
fronteira oeste da Virgínia. O jovem Sam Gammon contemplava essas montanhas e
ficava fascinado com sua beleza ao longo de 15 km, em seu caminho de todas as
manhãs, levando maçãs, verduras, manteiga, galinhas e ovos para a pequena vila de
Montgomery/VA.

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Também em Lavras, Sam Gammon pôde contemplar a
beleza e semelhança da Serra da Bocaina com sua terra natal.

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O imponente Prédio do IPG, com as colunas em estilo
virginiano.

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“Dedicado à Glória de Deus e ao Progresso Humano”.

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O histórico Portão, por onde passamos diariamente de
1964 a 1970,

quando então inaugurou-se o novo campus.

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O trator Fordson, importado pelo Dr. Gammon em 1922,

o primeiro de Minas Gerais. Ele fazia diferença em
tudo,

até mesmo na promoção
dessa primeira Exposição Agrícola

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Um folheto de 1930 do Instituto Evangélico, hoje
Instituto Presbiteriano Gammon.

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Homenagem dos esalianos ao Dr. Gammon. Não poderia
haver melhor lugar para seu busto. No centro da praça que ele projetou e
construiu, tenho à frente o belíssimo Prédio Álvaro Botelho que ele inaugurou
seis anos antes de sua partida para a Casa do Senhor.

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O cinquentenário da ESAL/Gammon

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Os primeiros calouros da ESAL federalizada – Janeiro
de 1964

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A praça central da velha ESAL. Prof. Alfredo Scheid
Lopes (sentado)

e Paulo Roberto conversando com duas senhoras.

(Setembro de 2015)

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Lt. Joseph Moore Gammon (1918-2007), filho de Samuel
e Clara Gammon.

Nascido em Lavras e pai de Dan Gammon, radicados em
Knoxville-TN.

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80 anos depois de sua morte, o neto Dan Gammon e
família visitam o

túmulo do maior benfeitor de Lavras: Samuel Rhea
Gammon.

(Créditos da foto: Dan Gammon – 2008)

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O jovem Engenheiro Agrônomo Paulo Roberto da Silva,
em foto oficial

de 1967, na velha ESAL, fundada em 1908 por Samuel
Gammon.

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No baile de
formatura (1967), acompanhado pela irmã Dilma de Abreu,

também
gammonense, formada em Contabilidade.

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Com o Ministro da Educação, Murilo Hingel,
instalando a UFLA, em 1994.

Da esquerda para a direita, Silas Costa Pereira, primeiro
reitor da Universidade, Ministro Hingel, Guy Alvarenga, Alysson Paulinelli e
Paulo Roberto da Silva.

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Como dirigente do MEC, descerrando a placa de
inauguração do

Departamento
de Medicina Veterinária da UFLA – 1999.

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Medalha do
Mérito da Engenharia

(Jornal Tribuna de Lavras – 2006)

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Homenagem da UFLA pelos 40 anos de criação da
Pós-Graduação – 2015.

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