Personalidade Gammonense – Carlos Delphim

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Carlos Fernando de Moura Delphim diante de uma árvore-arco-íris, no Sítio Burle Marx

CARLOS FERNANDO DE MOURA DELPHIM

Nos primeiros minutos do dia dezessete de um gélido mês de junho, no velho casarão de uma tradicional família lavrense, veio à luz o quinto filho do casal, Carlos Fernando de Moura Delphim. No vasto terreno da casa familiar, o pequeno iria aprender a conviver com a natureza e a compreender seus fenômenos. Cresceu num simulacro do paraíso terrestre, entre a sucessiva eclosão das mais diversas e perfumadas flores e apetitosas frutificações. Ali, na pequena miniatura do universo que é o jardim, em íntima convivência com o melódico canto de pássaros e os diferentes sons produzidos por uma infinidade de insetos, aprendeu a decifrar algumas dos códigos que regem o mundo natural, responsáveis pelo equilíbrio de sistemas bem mais complexos, como o do próprio planeta Terra.

         Com cinco anos de idade foi matriculado no Colégio Carlota Kemper, onde iria aprender, dentre outras coisas disciplinas, a cultivar as plantas, no então denominado Clube Agrícola. Os valores que lhe foram conferidos individualmente em seu lar seriam agora fundamentados em uma dimensão coletiva. Como todos seus irmãos, iniciou seus estudos no Kemper, só os concluindo no final do Curso Científico, sempre no mesmo colégio, o Instituto Gammon. Um educandário que não apenas instruía, como educava, solidificava e ampliava as bases de uma formação familiar consolidada durante muitas gerações.

Abstração

         O Gammon educava muito mais do que outros colégios: ensinava a louvar à Criação e a seu Criador; o amor e o respeito aos seres humanos às demais formas de vida, com ênfase para os índios e as árvores, hoje tão injustamente desconsiderados. Excelentes professores preparavam cada aluno para enfrentar brilhantemente os cursos universitários e a vida profissional.

         Carlos Fernando já defendia o que hoje se denomina meio ambiente bem antes desse termo se tornar corriqueiro. Afrontando a administração de um prefeito que era um de seus melhores amigos, coordenou um grupo para protestar publicamente em favor de árvore símbolo de Lavras, a tipuana da Praça Doutor Augusto Silva. Após um ano e meio cursando a Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, voltou a Minas, matriculando-se na Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais. Seu maior interesse, contudo, foi sempre pela beleza e harmonia da paisagem e dos inumeráveis elementos que a compunham, dentre os quais a obra arquitetônica era mais um componente, sem ser o mais importante. Seu olhar não convergia nas edificações. Bem mais do que isto, distribuía-se por tudo mais, desde um pequeno grão de areia, uma folha seca, uma borboleta, até a infinita vastidão do firmamento, até os imaginados confins espaciais e temporais do Universo. Para ele tudo é um Universo, tudo é um milagre regido pelo mais doce dos sentimentos, o Amor.

         Em 1977, convidado para restaurar o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, pôde exercer de forma prática seu saber e seu incontido amor pela natureza. A partir de então passou a se dedicar não apenas àquele que é, sem dúvida, o mais importante jardim do país, mas a todos os jardins aos quais pudesse ser útil. Cinco anos antes da publicação da Carta dos Jardins Históricos Internacional Council on Monuments and Sites – ICOMOS, órgão que orienta a UNESCO na decisão de declarar um bem cultural como Patrimônio Mundial, Carlos Fernando, guiado pelo bom senso, já adotara intuitivamente, as normas e diretrizes que viriam a ser estabelecidas por esse documento de primordial importância para a salvaguarda e defesa dos jardins históricos.

Jabuticabeira

         Sendo convocado para orientar ações de preservação de jardins em todo o país, transferiu-se para um órgão de âmbito nacional, a Fundação Nacional pró-Memória e, posteriormente, para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, cuidando não mais apenas de jardim como também de paisagens e do meio-ambiente. Durante muitos anos representou o Iphan no Conselho Mundial de Meio Ambiente. Com a criação do Ministério da Cultura, passou a representá-lo nesse Conselho. Integrou ainda a Comissão O Homem e a Biosfera, do Ministério do Meio Ambiente, a Comissão Nacional de Recursos Hídricos, da Agência Nacional de Águas, a Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos do Ministério de Minas e Energia e representou o Brasil na Comissão de Patrimônio Mundial da UNESCO.

Dentre as múltiplas ações desempenhadas em defesa dos sítios e paisagens do Brasil e do mundo, Carlos Fernando emitiu pareceres para sua declaração como Patrimônio Mundial pela UNESCO. O Parecer do Brasil para a inclusão das Florestas Úmidas de Queensland na lista da UNESCO não apenas foi decisivo para a concretização da proposta como ainda foi adotada pela própria UNESCO como sendo sua posição oficial. Trabalhou na criação dos dois únicos Geoparques Brasileiros, o Geoparque do Araripe no Ceará, o primeiro das Américas e o da Serra da Bodoquena/Pantanal no Mato Grosso do Sul. Graças a seus pareceres, inúmeros bens naturais de valor cultural puderam ser protegidos.

         Detentor de várias premiações nacionais, como as medalhas de Walmir Ayala, Rui Barbosa, Guimarães Rosa, Mário de Andrade, assim como o Certificado e Medalha Comemorativa do Centenário de Fundação da Universidade Federal de Lavras e o Troféu Ex-Aluno, conferido pelo Instituto Gammon. O Comitê Brasileiro do ICOMOS, homenageou-o com a declaração de Membro Honorário, o único a receber tal honraria no país até hoje. A criação de uma nova categoria de proteção legal e efetiva das paisagens culturais brasileiras valeu-lhe um prêmio internacional, o Green Prize of Americas de 2009. Recentemente recebeu um reconhecimento por sua valiosa contribuição ao campo de estudo das paisagens culturais do Brasil e da América Latina, concedido pelo Comitê Científico do ICOMOS mundial, juntamente com um convite para integrar este grupo de elite dedicado às questões paisagísticas.

         É autor de meia centena de trabalhos publicados, dos quais se destacam o Manual de Intervenções em Jardins Históricos, única obra sobre a orientação técnica do assunto e os dois belos livros de arte Jardins do Brasil e Jardins do Rio. Orientou cuidados e defendeu jardins e paisagens em todo o país, incluindo sua cidade natal, proferiu palestras não apenas no Brasil como também no exterior. Sua obra deu origem à Rede Brasileira de Jardins e Paisagens, uma organização destinada à divulgar o conhecimento de especialistas e a proteger os jardins e paisagens nacionais. A Fundação Rui Barbosa está levantando toda sua extensa produção intelectual, com o futuro propósito de publicá-la e difundi-la.

         Carlos Fernando conviveu com o paisagista Roberto Burle Marx sem terem, contudo, trabalhado juntos. Convidado para projetar dois jardins brasileiros na Green and Greenery Exposition – Expo 90, realizada em Osaka City, no Japão, abriu mão de fazer o jardim externo, recomendando o genial amigo Burle Marx e ocupando-se apenas de projetar o jardim interno que representou o Brasil na mostra mundial. A convite de Oscar Niemeyer, foi autor dos projetos paisagísticos do Memorial da América Latina em São Paulo, do Superior Tribunal Regional, do Conselho de Justiça Federal em Brasília, da Estação Ciência em João Pessoa, do Campus da Universidade Norte-Fluminense em Campos de Goytacazes.

         Atualmente presta consultoria a diversas instituições, como o município de Paraguaçu Paulista, com o intuito de transformá-lo em uma cidade sustentável, tendo ali criado, dentre outros, um Jardim Botânico cuja primeira coleção será instalada em um paleojardim, com as plantas mais antigas do planeta, do Cretáceo e do Jurássico, dentre outras. Participa também do planejamento de uma estátua similar ao Cristo Redentor do Rio de Janeiro, o Cristo do Outeiro, símbolo da cidade de Palência, na Espanha.

         Pintor abstrato nas poucas horas vagas, é autor de uma única tela figurativa, uma jabuticabeira, a árvore que mais o fascinou nos quintal da casa de sua família em Lavras.

1 comentário
  1. Dorinha Guimarães. Diz

    Parabéns pelo maravilhoso trabalho, e pela preservação das maravilhas da natureza. Você fez por merecer cada um dos prêmios recebidos.

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